E a rua estava cheia, camelôs, crentes, lixo, desviávamos de tudo tomando cuidado pra não esquecer o que estávamos indo fazer. Acho que era verão, pouco importa, o sol dourava tudo à nossa volta e o centro da cidade nunca mais foi tão familiar quanto nessa tarde. A gente podia deitar no chão da 25 de Maio com a Praça da República, nós fazíamos parte daquele asfalto, aquele asfalto sujo me confortava, eu olhava pra baixo e ele parecia tão macio, quente, deslizando embaixo dos meus tênis tão rápido, tão rápido, vertiginosamente, como lava escorrendo. O Alfred não parava de falar, eu não entendia nada que ele dizia, eu só olhava pra Marina e pra Clarice e elas sorriam e andavam rápido e eu sorria de volta e fazia a contagem regressiva pra hora que tudo ia estar escuro e a música alta ia entupir a cabeça pra eu parar de pensar em mergulhar no asfalto. E dessa tarde isso é tudo que eu me lembro, das faíscas douradas do sol rebatendo nas pessoas e o Alfred falando sem parar e os sorrisos de Marina e Clarice me atingindo em cheio.
Vi Marina sábado, tão linda.
Leu porque quis, não me encha o saco.
segunda-feira, junho 28, 2004
sexta-feira, junho 25, 2004
Queridão, queridão, é bom. E se a gente nunca encontrar também vai ter sido bom do mesmo jeito. Já ouviu o Nick Cave cantando LoveWillTearUsApart? Sensacional, quase não ficou gótico. Não gótico capa e espada, gótico cabeça, nerd, irritante. Gótico chato. Daqueles que leram Schoppenhauer e até hoje estão perturbados, vai, relaxa, bicha. Tá, aprendi que os góticos são masoquistas, aprendi na marra, aprendi tão aprendido que sublimei. Meu cu, queridão, meu cu. Agora eu estou leve, até meu sono está leve, eu não fico mais catatônico daquele jeito, eu não me cobro mais daquele jeito e acima de tudo, eu estou feliz, mas feliz de um jeito que eu não ficava desde os dezoito anos. Eu reencontrei tudo aquilo que eu achava que estava perdido e larguei mão de ficar comparando as coisas. Nem tenho mais somado as placas dos carros pra prever o futuro, porque no fundo eu sei bem o que vai acontecer, queridão. Sempre soube na verdade. Sabe que até lido eu tenho? Outro dia fui comprar sorvete no posto e ao invés disso, comprei 1933 foi um ano ruim, do Fante. Minha irmazinha Clarah Averbuck que me incitou a ler Fante. E eu tenho tido saudades do breve período que convivi com ela, pouco tempo bem gasto, aquele tipo de convívio que troca muita experiência sem ter que conversar muito. A gente bebia. Vódega, eu era rico e comprava Stolichnaia ou qq coisa parecida com essa grafia aí. Então tá, queridão. Vou pra casa tomar sake.
quinta-feira, junho 24, 2004
Eu olhei, olhei. Olhei mais um pouco, estranhei, não costumava ser assim, ou será que um dia foi? Fazia tanto tempo que eu não fazia aquilo, que não passava por ali, não é possível que eu nunca percebi que era daquele jeito... e o pior era ter aquela sensação deja vu maldita, estar ligado no piloto automático e ter que dividir a atenção da coisa com esses pensamentos mais inoportunos, que em nada ajudavam o ato em si. Como era mesmo a rua da casa da minha mãe? O prédio um dia foi bege, eu acho. E tinha detalhes em marrom, chamava Maison sei lá o que e quando comecei a aprender francês na escola eu adorava ler o nome do prédio. Lembro que tinha amigos naquele condomínio, primeiro eu tinha um tico tico, depois ganhei uma bicicleta com rodinhas. E andávamos por toda a volta dos prédios, num moto contínuo que durava a tarde toda, até a hora do jantar. E como era mesmo o nome da escola de natação? Era perto dali, perto do aeroporto, lembro que um dia um teco teco bateu num prédio ali perto e lá fomos nós ver o acidente, que eu lembro como uma pintura, o prédio furado com o rabo do avião pendurado, emoldurado por um uma mancha escura em forma de rosca como a fumaça que meu pai costumava soprar pra fazer graça e que me dava uma vontade desgraçada de fumar também, fumar aqueles cigarros que vinham embrulhados num papel dourado como a luz daqueles dias tão seguros e preciosos. Mas lá estava eu, o que eu estava fazendo mesmo? Céus, não é possível. Concentre-se, concentre-se. A primeira impressão é a que fica, não pense que tem gente em volta olhando, não se incomode com isso agora, pelo menos agora. E agora eu bem que devia estar fazendo outra coisa, não é mesmo? O que mesmo? A verdade é que eu não tinha nada pra fazer a não ser procurar alguma coisa pra fazer e eu já estava fazendo uma coisa muito melhor do que qualquer coisa que eu poderia tentar arrumar pra fazer. E quem se importa que era uma quinta feira de madrugada e eu não ia ter tempo de dormir antes de voltar a trabalhar, dormir, pra que? Pra sonhar coisas bizarras mais uma vez? Outro dia sonhei que eu e minha mãe íamos visitar a Luma. E a Luma ficou constrangida, mas minha mãe foi lá e abraçou Luma e disse que não fazia mal o que tinha acontecido. Meu deus, eu não quero mais sonhar isso. Issos. Prefiro sonhar de novo que eu estava num safari pela África com a Gisele Bundchen e o ônibus tombava e os leões nos atacavam enquanto Gisele tocava violão, mas isso não é coisa pra se pensar agora. Agora, entende, agora. Mau, cérebro mau, me deixe em paz.
terça-feira, junho 22, 2004
"Dormir? Pra que? Tsc, ahn". Assim sendo, fomos eu e Carolina pro dEdge depois de acabar com a última das garrafas de sake fino que eu tinha comprado sexta feira. E tocou "Frede" no Garagem da Brasil 2000 bem na hora que eu e Carol gravávamos a versão demo de Catuaba é Bom Pra Voz e não ouvimos, saco. Em compensação eu dei tanta risada enquanto gravava que tive que deitar no chão frio do estúdio pra não morrer de espasmo. Pegamos a Larissa na rádio, fomos na casa de Dora e seguimos pro dEdge. Os Borderz iam tocar, a Luma ia discotecar. Nem que eu planejasse por meses eu ia conseguir juntar tantos amigos diferentes no mesmo lugar. A Flávia e sua hermana Paola, a Magrela querida, que saudades eu estava dela. Marquinho, Chiquinho, Psycho, Dora. E bebemos vodka com tônica até soar o alarme do bom senso, "e aí, quer morrer?". Não, não mais. Então voltamos pra casa antes do show dos borderz acabar.
segunda-feira, junho 21, 2004
Incrível como o sake fez o fim de semana render. O sake e a falta de sono, chega de sonho desgraçado. Tenho acordado todo dia antes do previsto (como se fosse possível prever alguma coisa depois de duas garrafas de sake) e pulado da cama, hoje eu fui dormir as três e meia da manhã e as oito e meia já estava lá na cadmía. Pedala, pedala, pedala, desgraçado. Mais rápido, olha a subida. E a mocinha do meu lado ficou verde musgo, disfarçou e saiu da sala, caindo sentada no chão da lanchonete, do outro lado da parede de vidro. Não foi dessa vez que ela conseguiu passar mal incólume, lá foi o professor acudir, nos largando no meio da segunda subida consecutiva. Suei desgraçadamente, voltei pra casa, tomei banho pelo sexto dia seguido ao som de I love you golden blue do Sonic Youth. Fui me trocar, saco, lembrei que meu cinto quebrou. Uma vez eu tinha dois cintos, um preto que o Jonas roubou, e esse quadriculado, que eu me apropriei. Quando você mora junto com outra pessoa, gradativamente se apropria de certas coisas, esse cinto foi assim. Quadriculado branco e preto, o cinto mais legal que eu já tive. E saindo do Amp Galaxy sábado depois de um qüiproqüo com os seguranças mais educados do brasil, o cinto arrebentou. Fui levar meu amplificador embora, apoiei o peso todo no fecho do cinto e pronto. Desmontou, caiu no chão, perdi um pedaço. Saco, saco, saco. Queria ter voltado pro Amp mas não ia rolar depois do que eu fiz. Aliás, pensando bem, eu não volto lá nunca mais, o que pode até ser uma coisa boa, se eu levar em consideração que eu devia ficar mais em casa do que eu tenho ficado. Por outro lado, eu não quero deixar a Vivi na mão e ela está contando que eu vá discotecar lá sexta que vem... hmmm.
quinta-feira, junho 17, 2004
Eu não sou místico. Não acho que tenha sido o espírito de minha mãe que veio no meu sonho me mandar recados. Acho que foi minha consciência me torturando por não ter ido visitá-la em coma na UTI. E por ter "fugido" do hospital no dia que ela foi pra UTI. Mas de verdade eu não achava que seria a última vez que eu a veria viva... eu nem sabia que ela ia pra UTI e eles iam induzi-la em coma. Agora não tem um dia que eu não pense nisso e talvez eu nunca consiga esquecer. Mas isso não quer dizer que eu vá usar de desculpa pro resto da vida pelo fato das coisas darem errado. Eu não sou místico. Eu não acredito em churumelas religiosas inventadas há cinco mil anos atrás. Eu só acredito no poder da culpa e estou lidando com isso da melhor forma possível, sem muletas supersticiosas.
Frede, seus olhos são vermelhos como um gato na fotografia.
Frede, seus olhos são vermelhos como um gato na fotografia.
Hoje tive um pesadelo. Ontem foi um dia bem estressante, daquela série "trabalho nunca tem fim e eu tenho compromisso a noite em casa, acho que vou ter que desmarcar e as pessoas vão ficar bravas comigo". Mas enfim, consegui ir embora, chegar em casa já um pouco bêbado por conta das duas SmirnoffesIces que eu comprei no posto aqui do lado. A Larissa já estava lá com Carol e Milena, bebendo. Vinho, detesto vinho, desde que vomitei duas garrafas com a Clarice eu nunca mais consegui tomar vinho e olha que isso já faz uns sete anos. Gravamos voz em quatro faixas do cd de Verafisher e fomos ensaiar, sábado tem show no AmpGalaxy. Meu celular não parava de tocar, work never ends. Voltei pra casa, bêbado, mais bêbado do que eu gostaria de ter ficado numa quarta feira desgraçada e ainda por cima era aniversário de cem anos de Ulisses e eu tinha combinado com Dora de irmos beber (mais) Guinnes ou Guiness no bar do Diego mas eu estava tão mal humorado que eu não consegui ir e fui pra casa tomar engov, dormir e ter um sonho tão triste, tão triste que eu acordei e chorei. Tomei banho e chorei, correndo, meio atrasado, com preguiça de vir trabalhar.
Faz anos que eu não vou ao sítio. Anos, não consigo lembrar qual a última vez que estive lá. E eu sonhei que tinha um monte de gente no sítio, festa de família e olha que eu tenho uma família imensa, cada festa que eu vou eu descubro mais uns cinco ou seis primos. E estavam todos esses estranhos familiares no sítio, eu não consegui entender qual o motivo da reunião e minha mãe estava lá, e minha mãe que estava lá era a mesma que eu vi pela última vez no hostpital, pesando quarenta quilos, sem voz, precisando ser escorada pra levantar e olhar pela janela. E ela estava, no sonho, visivelmente constrangida de estar naquele estado em companhia de tanta gente, e ela comia e vomitava e eu queria tirar ela dali e as pessoas também estavam constrangidas e eu me tranquei no banheiro e quando eu sai meu pai tinha levado ela embora e eu fiquei desesperado pra saber pra onde e minha avó me falou que ela mandou avisar que queria que eu fosse encontrar com ela. E eu ainda fiquei muito tempo do sonho procurando minha mãe até que parei na frente do canteiro com as flores dela e o caseiro falou que era ali que estavam as cinzas dela, e é lá que estão mesmo as cinzas dela e quando eu acordei eu fiquei com vontade de ir correndo pro sítio regar essas flores e ficar lá sentado olhando e tirar fotos e acender velas e incensos e conversar com essas plantas e abraçar e cuidar pra sempre delas.
Faz anos que eu não vou ao sítio. Anos, não consigo lembrar qual a última vez que estive lá. E eu sonhei que tinha um monte de gente no sítio, festa de família e olha que eu tenho uma família imensa, cada festa que eu vou eu descubro mais uns cinco ou seis primos. E estavam todos esses estranhos familiares no sítio, eu não consegui entender qual o motivo da reunião e minha mãe estava lá, e minha mãe que estava lá era a mesma que eu vi pela última vez no hostpital, pesando quarenta quilos, sem voz, precisando ser escorada pra levantar e olhar pela janela. E ela estava, no sonho, visivelmente constrangida de estar naquele estado em companhia de tanta gente, e ela comia e vomitava e eu queria tirar ela dali e as pessoas também estavam constrangidas e eu me tranquei no banheiro e quando eu sai meu pai tinha levado ela embora e eu fiquei desesperado pra saber pra onde e minha avó me falou que ela mandou avisar que queria que eu fosse encontrar com ela. E eu ainda fiquei muito tempo do sonho procurando minha mãe até que parei na frente do canteiro com as flores dela e o caseiro falou que era ali que estavam as cinzas dela, e é lá que estão mesmo as cinzas dela e quando eu acordei eu fiquei com vontade de ir correndo pro sítio regar essas flores e ficar lá sentado olhando e tirar fotos e acender velas e incensos e conversar com essas plantas e abraçar e cuidar pra sempre delas.
segunda-feira, junho 07, 2004
No aguardo. Enquanto isso estive em Belo Horizonte por algumas horas que pareceram semanas inteiras repletas de detonação da mais grave espécie. Culpa de pouco sono somado a três garrafas de Salton compradas de madrugada no Extra da Floresta. A Obra estava cheia, cheia de pessoas bonitas de Belo Horizonte. E na hora do show eu já estava com o nível de jamantice no oito, o que faz com que minha habilidade baterística fique um pouco comprometida. Mas as pessoas bonitas de Belo Horizonte já estavam chababas também e as meninas da banda estavam cada qual com seu encosto predileto possuído no corpo e todos se divertiram pencas. E pencas e pencas de satisfação caíram do céu e pairou sobre nós aquela luminosa aura de felicidade incontestável e contagiante e sim, foi para nós tão inesquecível quanto os passeios de escola mais inesquecíveis de quando nós tínhamos dez anos de idade.
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